quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Esculturas Barrocas de Autores Brasileiros

Anônimo, São Francisco recebendo a Estigma (chagas), século XVII.
Terracota policromada, 105 x 65 x 47 cm. Museu de Arte Sacra de São Paulo.

Anônimo, Santo Elesbão, século XVIII. Madeira dourada e policromada, 120 x 105 x 50 cm.
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Ministério de Cultura, Pernambuco.

 Santa Ana e Nossa Senhora Menina
Madeira policromada, alt. 0,86m. Séc. XVIII
Museu de Arte Sacra da Bahia

Pinturas Barrocas de Autores Brasileiros

Anônimo, Cena da Paixão de Cristo, século XVIII. Óleo sobre tela,
203 x 152 cm. Coleção particular.


Anônimo, Martírio da Virgem Santa Quitéria, século XVIII.
Têmpera sobre madeira, 248 x 166 cm. Arquidiocese de Olinda e Recife,
Convento de Santo Antônio, Pinacoteca de Igarassu.


O Barroco e o Barroco Mineiro

Barroco

A arte barroca nasceu no início do século XVII, na Itália, e estendeu-se por toda a Europa e América Latina, onde se desenvolveu durante o século XVIII e início do XIX. Com o crescente alastramento do protestantismo, a Igreja Católica promove o movimento da Contra-Reforma, utilizando o barroco como principal instrumento de afirmação e persuasão da fé cristã. As novas descobertas, impulsionadas pelas grandes navegações realizadas por Portugal e Espanha, possibilitaram a forte atuação dos contra-reformistas, especialmente das missões catequéticas dos jesuítas, que se dirigiam às novas terras para o trabalho de doutrinação.
Em suas origens, o barroco esteve associado a uma pérola disforme e irregular, evidenciando a idéia de exagero, mau gosto e falta de lógica em relação ao estilo clássico do Renascimento. A exuberância de formas e a dramaticidade são suas características principais. O barroco recuperou o gosto pelo pictórico, pela movimentação das formas e pelo jogo incessante de planos, revelando a dualidade intrínseca do homem da época, ligado aos ideais humanistas mas preso à realidade do Absolutismo e da Contra-Reforma. Mais do que um estilo artístico, expressou um modo de ser. Paradoxalmente, apelava para os sentidos e as paixões humanas e servia aos propósitos da doutrinação religiosa da Igreja Católica.

Barroco Mineiro

O barroco chega à América Latina, especialmente ao Brasil, com os missionários jesuítas, que trazem o novo estilo como instrumento de doutrinação cristã. Os primeiros templos surgem como uma transplantação cultural, que se utiliza de modelos arquitetônicos e de peças construtivas e decorativas trazidas diretamente de Portugal.
Com a descoberta do ouro, estende-se por todo o país o gosto pelo barroco. Durante o século XVIII, quando a Europa experimenta as concepções artísticas do Neoclassicismo, a arte colonial mineira resiste às inovações, mantendo um barroco tardio mas singular.
A distância do litoral e as dificuldades de importação de materiais e técnicas construtivas vão dar ao barroco de Minas Gerais um caráter peculiar, que possibilita a criação de uma arte diferenciada, marcada pelo regionalismo. A conformação urbana das vilas mineiras e a fé intimista, em que cada fiel se relaciona com seu santo protetor, viabilizam uma forma de expressão única, que se define como um gosto artístico e, mais do que isso, como um estilo de vida — um modo de ver, sentir e vivenciar a arte e a fé.
Nesse contexto, surgem artistas que trabalham a partir das condições materiais da região, adaptando os ideais artísticos à sua vivência cotidiana. Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, e Manoel da Costa Ataíde são os expoentes máximos dessa arte adaptada ao ambiente tropical e ligada aos recursos e valores regionais. Aleijadinho introduz a pedra-sabão em seus trabalhos escultóricos para substituir o mármore, e Ataíde cria pinturas similares aos apreciadíssimos azulejos portugueses, quando trabalham juntos na Igreja de São Francisco de Assis. É nesse sentido que o barroco desenvolvido em Minas Gerais ganha expressão particular no contexto brasileiro, firmando-se como Barroco Mineiro.

Fases do barroco e retábulos

O barroco pode ser dividido em três fases, segundo seus modelos de retábulos, construídos nas igrejas mineiras no período de 1710 a 1760.
 
1ª fase

Retábulo nacional português.
Ocorrência: entre 1710 e 1730.


Características principais: colunas torsas (ou retorcidas) profusamente ornamentadas com motivos fitomorfos (folhas de acanto, cachos de uva, por exemplo) e zoomorfos (aves, geralmente um pelicano); coroamento formado por arcos concêntricos; revestimento em talha dourada e policromia em azul e vermelho.

Exemplo
: Capela de Santana, Ouro Preto, 1720


2ª fase
Retábulo joanino
Ocorrência: entre 1730 e 1760.



Características principais: excesso de motivos ornamentais, com predominância de elementos escultóricos; coroamento com sanefas e falsos cortinados com anjos; revestimento com policromia em branco e dourado.
Exemplo: Matriz de Nossa Senhora do Pilar em Ouro Preto.






 
3ª fase
Retábulo rococó
Ocorrência: a partir de 1760



Características principais: coroamento encimado por grande composição escultórica; elementos ornamentais baseados no estilo rococó francês (conchas, laços, guirlandas e flores); revestimento com fundos brancos e douramentos nas partes principais da decoração.
Sofre influência do estilo francês dominante na Europa a partir da segunda metade do século XVIII. No Brasil, o rococó é uma das fases do barroco, por ter se desenvolvido paralelamente à sobrevivência desse estilo.
Exemplo: Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto

Evolução construtiva das igrejas

À exceção de algumas capelas, quase todas foram substituídas por construções mais elaboradas e eruditas, segundo as condições financeiras das irmandades, que viviam de verbas e donativos dos fiéis.
Em torno à primitiva capela, erguia-se a capela-mor e a sacristia. Feito o telhado, as paredes da nave eram levantadas até atingir as torres.
Finalmente, retirava-se a cobertura da parte inicial, derrubava-se a parede frontal da capela primitiva e construía-se o telhado definitivo da edificação. Assim, a certa altura a primitiva capela estava dentro da nova construção.

A encomenda dos edifícios

Artesãos e artífices que trabalham nessas construções agrupavam-se segundo suas especializações.
Na arquitetura atuavam pedreiros, canteiros (entalhadores de pedra) e rebocadores, além dos carapinas, que faziam os serviços de carpintaria fina e marcenaria.
O escultor trabalhava preferencialmente a pedra, e o entalhador cuidava da decoração interna dos templos em madeira (altares e retábulos). Esse ofício não era considerado mecânico, e muitos artistas se dedicavam apenas à confecção de imagens, sendo chamados de santeiros, estatuários ou imaginários.
Pintores e douradores se incumbiam de pintar e dourar com folhas ou pó de ouro partes importantes da ornamentação.
Entre esses ofícios não havia lugar reservado aos arquitetos que forneciam o risco (ou a planta) e o traço (ou desenho) de uma construção. A parte intelectual do projeto se distinguia da parte material, sendo comum o arquiteto conceber o edifício e o mestre-de-obras realizar a construção a partir dos riscos fornecidos.
Ainda no século XVII, engenheiros militares eram freqüentemente chamados para projetar os riscos das igrejas que vão sendo construídas. Em meados do século XVIII, além dos técnicos especializados vindos de Portugal, outros vão se formando nos próprios canteiros de obras, suprindo a carência de profissionais locais.
A partir da aprovação do risco, abria-se concorrência em toda a região para o início dos trabalhos. A proposta mais vantajosa era aceita, e seu proponente nomeado arrematante. Raramente os serviços eram arrematados por um único profissional e abrangiam a totalidade das obras. Eram comuns várias concorrências específicas para a parte construtiva e para a ornamentação interna.

Evolução da pintura religiosa

A trajetória evolutiva da pintura religiosa assinala os melhores trabalhos realizados no período. A princípio, a pintura resumia-se a painéis de madeira, emoldurados e afixados isoladamente nos tetos das igrejas. São os chamados caixotões pintados com cenas referentes ao santo de devoção ou mesmo a personalidades da irmandade ou ordem religiosa. Os elementos decorativos trazem freqüentemente motivos chineses (chinesices) ou formas que reproduzem objetos da natureza, como grutas, penhascos, árvores, folhas e caracóis (grutescos).
Posteriormente a pintura extrapola esses limites e passa a ocupar todo o forro com grandes cenas ilusionistas em perspectiva. A partir da verdadeira cimalha do edifício, cria-se um efeito ilusório com o prolongamento da mesma através da pintura. Colunas e parapeitos em que se debruçam personagens como os doutores da Igreja circundam a cena central, rompendo ilusoriamente o espaço arquitetônico do templo. O espectador tem a impressão de estar assistindo a uma cena celestial, como se estivesse diante do próprio céu. O que interessa ao artista é criar a ilusão de ótica ou o efeito chamado 'trompe l'oeil', desenvolvido pelo padre italiano Andre Pozzo, que decorou o forro da Igreja de Santo Inácio, em Roma. Manuel da Costa Ataíde foi o artista brasileiro que mais se aproximou do ilusionismo do Padre Pozzo, sobretudo com a pintura do forro da Igreja de São Francisco de Assis.
Em fins do século XVIII, artistas locais simplificam a trama arquitetônica em favor de um parapeito contínuo. A pintura principal traz uma cena religiosa centrada em um medalhão rococó.

Arquitetura, pintura e escultura na Comarca do Rio das Mortes

Como em toda região mineradora, o estilo artístico que predominou nas construções civis e religiosas da Comarca do Rio das Mortes foi o barroco de influência portuguesa. A princípio, a arte barroca desenvolveu-se na colônia a partir de elementos arquitetônicos e ornamentais transplantados diretamente de Portugal, através da importação de plantas, profissionais e materiais próprios para ornamentação. Imagens, retábulos em madeira e azulejos para revestimento chegavam nos navios portugueses prontos para compor a decoração dos templos, cuja construção seguia, também, as tendências arquitetônicas da metrópole.
Na Capitania de Minas Gerais, a distância do litoral e as dificuldades de importação de materiais e técnicas construtivas imprimem à arte barroca colonial um caráter peculiar, que possibilita a criação de um estilo diferenciado, marcado pelo regionalismo. Neste contexto, vários artistas executam seus trabalhos artísticos a partir das condições materiais da região, empregando o quartzito e a pedra-sabão e criando uma pintura ilusionista que simulava a textura do mármore nos processos construtivos e decorativos. Desta forma, o barroco desenvolvido na região mineradora ganha expressão particular, firmando-se como estilo próprio que se chamou Barroco Mineiro.
Além disso, a vida social mineira organizou-se de modo particular, evidenciado pela primazia das irmandades religiosas, que promoviam o agrupamento da população em classes sociais distintas, a partir do critério racial. A importância de um povoado estava estritamente ligada à questão religiosa, evidenciada pela imponência de suas capelas, igrejas e matrizes. A rivalidade entre as diversas irmandades religiosas existentes incrementou a construção de templos suntuosos, que ostentam fachadas e interiores ricamente ornamentados. Nos primeiros anos da colonização, a primeira providência tomada pelos habitantes dos arraiais mineradores era construir uma capela de pau-a-pique, que seria, mais tarde, ampliada e enriquecida pelos melhores artistas da região. Esta evolução pode ser percebida em quase todos os templos da região do Rio das Mortes, que apresentam elementos ornamentais das três fases do barroco mineiro — nacional português, D. João V ou joanino e rococó, além da fase chamada neoclássica.

 Exemplo desta evolução, a Matriz de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei possui fachada em estilo derivado da fase neoclássica, enquanto o interior mostra trabalhos em talha que transitam entre a primeira e a segunda fases do barroco. O forro da nave apresenta pintura à têmpera com a Virgem e o Menino em um medalhão central, em perspectiva ilusionista, vinculada à segunda fase da decoração pictórica.




Em Tiradentes, a construção da Matriz de Santo Antônio data de 1734, embora o templo tenha sofrido reformas sucessivas. Uma nova fachada foi erguida em 1810, inspirada em um desaparecido risco do Aleijadinho, cujos elementos arquitetônicos e escultóricos se relacionam ao rococó. O frontispício da igreja apresenta uma das mais belas portadas do artista, também elaborada em pedra-sabão. Mas é o trabalho de talha dourada de seu interior que mostra toda a exuberância decorativa do barroco mineiro. Mescla de várias fases do estilo, é possível observar magníficos exemplares da fase joanina em transição para o rococó. A pintura em caixotões emoldurados no forro da nave diferencia-se dos trabalhos pictóricos da capela-mor, marcados pelo gosto rococó. Outro destaque da matriz é a decoração rococó da caixa que abriga o antigo órgão, assinada por Manuel Victor de Jesus.
De característica diferenciada, destaca-se ainda o conjunto arquitetônico compreendido pelas ruelas, capelas e casario colonial da cidade. Na paisagem barroca, logo se observa a ausência de torres nos templos religiosos, com a solução de sineiras embutidas na fachada do edifício, fenômeno não encontrado em Portugal e mesmo em outras cidades históricas mineiras, considerado um aspecto peculiar da localidade.


Com relação à pintura, a antiga Comarca do Rio das Mortes produziu um dos mais interessantes pintores — Manuel Victor de Jesus. Autor de grande fôlego, deixou como marca principal de seu trabalho artístico a adaptação da pintura ilusionista característica do rococó, num jogo de perspectiva arquitetônica encontrado na Matriz de Santo Antônio e na Capela de Nossa Senhora das Mercês, e, também, na Igreja de Nossa Senhora da Penha de França localizada em Vitoriano Veloso, antigo Arraial de Bichinho

 Em Prados, a sobriedade do partido arquitetônico da Matriz de Nossa Senhora da Conceição contrasta com a fachada e o interior, que apresentam elementos típicos do rococó. A portada possui rica composição escultórica com motivos florais, figuras de anjos e outros elementos decorativos esculpidos em cantaria. A talha dourada da capela-mor é valorizada por fundos brancos e detalhes em vermelho e azul. Nas paredes laterais, existem seis painéis pintados com cenas bíblicas, e, no forro, uma delicada pintura com guirlandas florais em azul. Os altares da nave possuem elegante talha dourada com muitos ornamentos e imaginária de boa qualidade. 

A Capela de Nossa Senhora do Rosário comporta-se da mesma forma. A fachada rústica relaciona-se à primeira fase do barroco, enquanto a capela-mor apresenta pinturas com motivos rococós guirlandas e concheados pintados de ocre. A nave com apenas um altar e um púlpito possui talha rococó de boa qualidade, deixada inacabada com revestimento branco.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...